A violência, além de cruel por si, é mais perigosa quando passamos a normalizá-la.

Podemos tentar fugir. Restringir os conteúdos que chegam até nós nas redes sociais. Usar filtros que indicam cenas fortes, gatilhos.

Infelizmente nada disso faz com que a violência deixe de existir.

É necessária toda uma articulação para combater os estigmas que seguem presentes em nossa sociedade. E o primeiro passo é falar sobre eles.

Em 2021, 98 crianças e adolescentes de até 13 anos foram estupradas por dia (Fórum de Segurança Pública/Instituto Liberta). Isso representa 35.735 vítimas, nessa faixa etária, no ano. Sendo que em 85% dos casos as vítimas eram meninas e 80% dos estupradores pessoas próximas como pais, padrastos, irmãos, primos, tios…

Ou seja, 98 vidas marcadas por um trauma, que em grau maior ou menor podem ter dificuldades de confiança, passar por um longo processo de (re)construção da autoestima, ou ter problemas com a própria sexualidade no momento em que ela deveria ser algo natural.

 

 

Isso para falar de algumas das consequências psicológicas. Porque existem as físicas também, e a gravidez é uma delas.

Se uma gravidez não planejada na adolescência já tem grandes impactos, que podem ir da evasão escolar à renúncia de oportunidades, quando ela decorre de uma violência não deveria estar em questão a defesa do direito ao aborto.

A lei prevê a interrupção da gravidez em três casos: estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.

Passar por um aborto nunca será algo fácil.

Ninguém quer passar por um.

Seja quando ocorre de forma espontânea ou não. E realmente deveria ser a última opção a ser escolhida, quando todas as demais falharam. Mas contar com esse recurso, ainda mais nos casos já previstos em lei, não deveria ser tão burocrático e alvo de julgamento sobre as meninas e mulheres que precisam dele.

O @oadalbertoneto explicou muito bem nesse vídeo sobre uma comparação inadequada que vemos muito nas redes sociais, falando que o abandono paterno é o aborto mais legalizado no Brasil. Não devemos comparar o que é uma escolha da mulher, um direito sobre seu corpo, com a irresponsabilidade de abandonar um filho.

É compreensível o discurso de quem se coloca contra o aborto do ponto de vista ético. Da mesma forma que temos outras escolhas pessoais como a de não comer carne ou não consumir de marcas e empresas que não sigam boas práticas. Você pode ter seus valores e segui-los em sua vida, mas precisamos ter consciência de que as pessoas vivem realidades distintas e têm suas próprias concepções do que é melhor a fazer. Devemos ter liberdade para fazer nossas escolhas em qualquer situação.

Foi Simone de Beauvoir que disse:

 

No caso dos Estados Unidos, com o fim da garantia do direito ao aborto em todo o país, delegando aos estados a decisão de permitir ou não a prática, abre-se um precedente perigoso para qualquer outra lei criada para proteger, incluir ou beneficiar uma determinada população. Não se trata de ser conservador ou progressista. Toda perda de direitos é um regresso. Em 2020, quando a Argentina tornou o aborto legal vimos a comemoração de mulheres na rua, felizes pela conquista política que significava o fim dos procedimentos clandestinos de risco, de mortes de mulheres que poderiam ser evitadas. De forma geral, nos países onde o aborto é legalizado, a tendência é a de que o procedimento tenha queda ao longo dos anos.

 

 

Melhor do que passar horas discutindo se somos a favor ou contra o aborto seria falar da importância da educação sexual como forma de prevenção à violência, à gravidez indesejada e às ISTs. Cobrar a disponibilidade dos métodos contraceptivos, estimular seu uso e não tratá-los como um tabu.

Descriminalizar o aborto para salvar vidas, educar as próximas gerações, combater a violência para que, assim, talvez ninguém mais precise de um aborto. Esse é o caminho.

 

Uma boa semana!