Na terceira e mais recente temporada da série “A amiga genial”, uma cena chamou bastante a nossa atenção.

Antes de falar sobre ela, vale a indicação tanto da série da HBO quanto dos livros da Elena Ferrante que para além de muito bons, são necessários. Eles abordam questões muito profundas, passando por sexismo, maternidade, casamento, sexualidade, amizade e rivalidade feminina de uma forma atemporal.

 

O que vou falar agora não é exatamente um spoiler, mas se não quiser ler sobre essa cena é só pular para depois dos “x”.

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A terceira temporada se passa na década de 70, e em um determinado momento as duas amigas, Lenu e Lila, estão em uma consulta com um médico, querendo saber sobre a pílula anticoncepcional. O médico pergunta sobre o casamento de uma das personagens e fortemente desestimula o uso do medicamento, considerando-o como algo ilegal e imoral. Afinal, o papel de uma mulher é dar filhos ao seu marido… Pensar que apenas 50 anos nos separam desse cenário e que até hoje existe quem concorda com o médico é algo profundamente doloroso.

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Estamos sim evoluindo na conquista do nosso espaço e liberdade, mas o sistema, como um todo, ainda é muito falho com as mulheres. Governos, empresas e sociedade falham quando ignoram a realidade de cada mulher ou não se mobilizam para serem mais inclusivos.

Falhamos quando temos mais de 19 mil bebês nascidos a cada ano de mães com idade entre 10 a 14 anos. Crianças e adolescentes que em muitos casos vão ter que abrir mão de oportunidades, de avançar em seus estudos e ter uma carreira sólida.

Falhamos quando somente agora, em março de 2022, aprovamos um projeto de lei que impede que serviços de saúde e operadoras de planos privados se recusem a ofertar métodos contraceptivos e técnicas de concepção cientificamente aceitos. E outro, que começou a ser discutido em 2014 e ainda não avançou, que desobriga consentimento entre marido e mulher para a realização de esterilização, seja laqueadura ou vasectomia.

 

Falhamos quando temos apenas sete Casas da Mulher Brasileira no país, um serviço muito importante de acolhimento para mulheres, enquanto temos 1 em cada 4 brasileiras acima de 16 anos, cerca de 17 milhões de pessoas, que já foram vítimas de algum tipo de violência. E ainda, 5 em cada 10 brasileiros (51,1%) apontaram ter presenciado algum tipo de violência contra a mulher no seu bairro ou comunidade.

Falhamos quando, mesmo com lei para garantir a paridade mínima de gênero nos cargos políticos, 82% das mulheres nesses espaços já sofreram violência psicológica, 45% já sofreram ameaças, 25% sofreram violência física no espaço parlamentar e 20% assédio sexual.

Falhamos quando temos um mercado de trabalho que cobra, de forma velada ou não, um desempenho extraordinário, com muitas horas extras de dedicação, ignorando que temos também uma vida familiar. Sem contar a saúde emocional, que é ainda mais negligenciada.

Falhamos quando entendemos que a inclusão de mulheres é positiva, mas não é oferecida a estrutura de suporte para que elas assumam esses lugares, seja pela falta de creches, educação, transporte, segurança alimentar, um verdadeiro leque de políticas, públicas ou empresariais, que deveriam ser adotadas para retirar a carga que recai sobre as mulheres.

 

Até as marcas falham em suas campanhas que tentam ser empoderadoras, mas caem em algo chamado “brandsplaining”. Se por um lado não se diz mais que uma mulher deve ser “bonita”, “magra” ou uma “boa dona de casa”, falar que as mulheres devem ser “corajosas” ou “melhores do que são”, não deixa de ser uma tutela sexista do que é esperado das mulheres.

Daria para listar outras situações que continuam sendo impeditivas para a nossa plena liberdade. O que podemos dizer é que o caminho para o progresso, mesmo que lento, é irreversível. Estamos trabalhando para uma mudança de cultura que garantirá a plena autonomia das mulheres. Mudar o sistema é um trabalho coletivo para que a gente tenha um futuro onde meninas e mulheres em toda a parte possam decidir cada aspecto da sua vida.

É nisso que acreditamos e pelo que estamos trabalhando. Vamos juntas?

Um beijo!