Estamos aqui diante de mais um Dia Internacional da Mulher, aquele em que podemos celebrar as conquistas que tivemos ao longo dos anos e chamar atenção para o que ainda falta para chegarmos à ideal igualdade.

Sabemos dessa caminhada, já falamos sobre ela inúmeras vezes. E esse ano propomos uma reflexão diferente. Ainda vemos algo que sempre é difícil de aceitar: o sexismo entre mulheres.

Para quem estuda a história do feminismo não há consenso nessa teoria. Uma vez que o sexismo seria uma “superioridade de gênero”, não é possível que exista esse entendimento entre quem é semelhante, mas o que se fala é que existe, entre as mulheres, a reprodução do sexismo e do machismo.

Na prática, uma pessoa machista, que replica o sexismo, é aquela que acredita que homens e mulheres têm papéis distintos na sociedade, que a mulher não pode ou não deveria se portar e ter os mesmo direitos de um homem ou que julga a mulher como inferior ao homem em aspectos físicos, intelectuais e sociais.

Nas palavras da consultora em diversidade Viviana Santiago, não é que uma mulher seja machista, mas ela pode, sim, reproduzir o machismo em suas atitudes e pensamentos, já que todos nós, independentemente do gênero e de outros recortes de identidade, somos criados sob estruturas machistas.

Desde crianças tentaram nos moldar para papéis pré-estabelecidos. Ganhamos bonecas, brincamos de casinha. Não que seja errado uma menina brincar com essas coisas se ela quiser, mas dá para entender a carga cultural por trás disso? Anos de associação de que o lugar da mulher é sendo dona de casa, responsável pelas tarefas domésticas e de cuidado com os filhos.

 

 

Novamente, quem opta por esse caminho não necessariamente é submissa, conivente com o modelo patriarcal, desde que essa seja uma e-s-c-o-l-h-a, e não uma imposição cultural.

Vivemos também até os dias de hoje uma ditadura da beleza. Por quantos anos as mulheres foram o público-alvo de cremes antiidade, como se uma mulher perdesse seu valor e deixasse de ser interessante com o passar dos anos?

No sexo abrimos mão do nosso próprio prazer por estarmos preocupadas demais em agradar. Como se a sexualidade não fosse um momento de troca, e sendo assim, algo com reciprocidade.

Vivemos sob um subconsciente coletivo de que deveríamos ser comedidas em nossas atitudes, não ser agressivas, controlar nossas emoções e reações para não parecermos “loucas” ou “histéricas”, estar sempre com um sorriso no rosto, bonitas, bem vestidas (mas nada muito provocador). Isso teve sim um peso na forma de nos mostrarmos ao mundo, de nos relacionar e até na relação com nossas semelhantes, outras mulheres.

 

 

A professora Joan Roughgarden, que já lecionou na Universidade de Stanford, compartilha sua experiência como mulher trans para confirmar algo que já notamos: as mulheres têm que trabalhar duas vezes mais para provar que são boas no que fazem. “As mulheres são consideradas incompetentes, a menos que se prove o contrário, e os homens são considerados competentes, a menos que se prove o contrário”, diz.

E até nas áreas em que fomos historicamente responsabilizadas, como os trabalhos domésticos onde uma divisão mais justa é urgente, muitas mulheres ainda não se sentem confortáveis ao delegar. “Ah, meu marido vai fazer tudo errado”, “se ele for responsável pelo jantar, as crianças vão viver a base de pizza”, e por aí vai.

Devemos parar de tentar ser supermulheres, para sermos nós mesmas.

Talvez no ambiente de trabalho, esse “sexismo” se torne ainda mais evidente:

– Quando uma mulher dona de um negócio deixa de contratar uma funcionária por estar grávida ou pergunta se ela tem planos de ter filhos em breve

– Quando uma mulher líder prefere promover um homem pois dessa forma se sente menos ameaçada em seu cargo

Mikaela Kiner, CEO da consultoria de recursos humanos Reverb, fala um pouco sobre isso: “O preceito de “um lugar à mesa” vem da crença de que a diversidade é obrigatória, mas não útil. Na verdade, há muitas evidências de que equipes mais diversificadas têm melhor desempenho, são mais inovadoras, produzem mais receita e lucros maiores. Quando as mulheres adotam essa mentalidade de escassez e lutam entre si, isso é um impeditivo para todas as mulheres. Se uma mulher quer progredir, o melhor caminho é defender as mulheres ao seu redor, resultando em mais oportunidades e maior sucesso para todas”.

Ela também fala sobre a reprodução de valores que nos foram impostos. “Podemos internalizar mensagens patriarcais de que as mulheres não são tão fortes, competentes e capazes quanto os homens. Isso é conhecido como sexismo internalizado. As mulheres absorvem inconscientemente crenças sobre seu lugar de direito, e essas mensagens aparecem em como julgamos umas às outras. Isso pode nos levar a maltratar, subestimar e se distanciar de outras mulheres para aumentar o poder e posição entre os homens. Além disso, a liderança bem-sucedida foi há muito definida pelos homens. Com poucos modelos femininos, as mulheres profissionais imitaram os homens para encontrar aceitação e progredir”.

A especialista propõe uma reflexão sobre esse assunto com algumas perguntas:

• Você julga outras mulheres por escolhas que não faria?

• Você critica as mulheres por pequenas transgressões e perdoa os homens por outras maiores?

• Você dá desculpas para o comportamento dos homens com um entendimento de “eles são assim mesmo”?

• Você compete mais do que colabora com suas colegas?

Ocupar lugares no mercado de trabalho e em posições de liderança também deve pressupor abrir espaço para mais mulheres.

Precisamos rever valores que ainda pairam sobre nós. Por exemplo, é recente a estatística de que 93% das mulheres acham que os homens entendem mais de dinheiro do que elas.

Não precisamos ser idênticas, compartilhar os mesmos valores, ter os mesmos gostos, levar uma vida que não acreditamos, mas precisamos, nesse dia 8 de março e em todos os dias do ano, nos unir porque isso faz a diferença.

Precisamos combater os pensamentos e ações que perpetuam o machismo por aí como:

– Julgar uma mulher que não se depila ou que gasta bastante tempo e dinheiro em procedimentos estéticos

– Criticar mulheres que mantêm seu trabalho integral após a maternidade ou aquelas que deixam o emprego para se dedicar aos filhos

– Achar que uma mulher sem filhos ou relacionamento é menos completa ou feliz

Entre tantos outros exemplos que estão nessa lista aqui.

E o que estamos fazendo?

Você bem sabe que o maior objetivo do Free Free é apoiar as mulheres em seu caminho para a liberdade. Sabemos das diversas realidades e que todas nós podemos dar um passo adiante para a uma vida mais plena, onde decidimos tudo que queremos. Mas não podemos deixar de atuar para ajudar quem mais precisa.

Se você nos acompanha no Instagram sabe que estamos com um projeto muito importante junto com o Ministério Público, chamado Eu Me Empodero. Vamos realizar workshops em todo o estado de São Paulo junto com mulheres que são sobreviventes da violência doméstica.

 

Foto: Wendel Castro

Acolher essas mulheres, ouvir suas histórias e conhecer as situações inimagináveis pelas quais elas passaram, ver sua força, sua superação e sentir o quão importante é ser rede de apoio para que elas vivam seu potencial completo é o nosso combustível.

Nossa lição de casa para esse 8 de março pode parecer simples, mas é muito importante. Devemos parar de reproduzir valores que simplesmente não fazem sentido entre as mulheres.

Que a gente possa:

Ser amigas ao invés de rivais

Apoiar ao invés de julgar

Acolher ao invés de criticar

Ter empatia ao invés de querer competir

Como disse a maravilhosa Paula Cohen “As mulheres são como água, crescem quando se encontram”.

Vamos crescer juntas!

Um beijo!