Sobre a pergunta que aparece no título, “as mulheres podem ter tudo?”, seria ótimo se a resposta fosse simplesmente “sim”.
É isso.
Fim da newsletter.
Mas não é verdade falar que todas as mulheres vivem realidades que permitem, plenamente, que elas façam escolhas de vida apenas porque querem fazê-las.
E afinal, o que é ter tudo?
Ter tudo é a realização em todos os aspectos: uma carreira satisfatória, uma vida familiar feliz, com ou sem filhos, bons relacionamentos afetivos, saúde física e emocional.
Legal, queremos tudo isso. Mas será possível ter tudo ao mesmo tempo? Ou quando um desses aspectos não está 100% adequado isso se torna mais uma cobrança e motivo de insatisfação?
Que temos o direito de escolher nossa carreira isso não está nem em debate. É óbvio que devemos ter liberdade para decidir o que vamos fazer todos os dias por boa parte da nossa vida. A discussão agora gira em mudar um mercado de trabalho ainda resistente, que mantém uma estrutura patriarcal. Igualdade salarial, inclusão e consideração com as necessidades das mães são as bandeiras que precisamos falar.
Além de alcançar a igualdade na remuneração e acesso a oportunidades, queremos sentir que nosso trabalho serve a um propósito. Não queremos apenas gerar riquezas, que muitas vezes só vão enriquecer os outros. Desejamos que aquilo em que dedicamos nosso tempo, energia e criatividade tenha valor.
E se encontramos um trabalho onde nos sentimos bem e temos vontade de nos dedicar, também deveríamos poder ter um tempo adequado para estar com as pessoas que amamos. Formar uma família e ter filhos, quando essa é a nossa vontade, não deveria ser excludente a ter uma carreira de sucesso.
Por isso é tão importante ter mais mulheres em cargos de liderança, abrindo o caminho para quem começa a trilhar sua vida profissional agora.
Essas mulheres vão tornar o mercado mais alinhado às necessidades de todos os trabalhadores, homens e mulheres, porque o cuidado familiar não pode recair somente sobre as mães.
Para a geração X, feminismo era exatamente isso – ter tudo: acesso à educação, liberdade sexual, independência na hora de seguir uma carreira, pagamento igual e não ser considerada uma propriedade dos homens ou ficar limitada ao ambiente doméstico.
Provavelmente eu e você tivemos muito mais abertura para escolher o que queríamos fazer do que nossas mães e avós.
Já a geração Z tem um entendimento diferenciado sobre o que é “ter tudo”, já que é composta por meninos e meninas que sempre tiveram pais e mães com trabalhos integrais. Esses jovens entendem que quando o feminismo fala sobre “ter tudo”, isso não pode ser entendido como “fazer tudo”. É sobre-humano tentar dar conta de tudo, o tempo todo.
Ter tudo deve implicar em dividir mais e não chamar para si todas as responsabilidades.
Precisamos de uma mudança no mercado, com um formato mais flexível, onde todos tenham a possibilidade de desempenhar os diversos papéis que querem em sua vida.
Mas nesse sentido, os números ainda não estão a nosso favor. Nos EUA, 1/3 das mulheres que possuem cargos altos optaram por não ter filhos.
No Reino Unido, todos os anos 54.000 mulheres perdem seu emprego por causa da gravidez ou licença-maternidade. E ainda, 96% das mulheres que são mães afirmam que a maternidade afetou sua carreira de forma negativa.
No Brasil, metade das mulheres fica fora do mercado de trabalho em até dois anos após tirar a licença-maternidade.
Infelizmente persiste o cenário onde quem coloca sua carreira em primeiro plano é recompensado, enquanto quem opta por passar mais tempo com a família é visto como menos profissional.
Ao falar em filhos, devíamos parar de pensar nisso apenas como uma questão da mulher. Uma “escolha” ou “renúncia” dela. Claro que cada uma de nós pode decidir o que quer para a sua vida, mas quando falamos sobre ter filhos de forma geral estamos falando sobre viabilizar um futuro para a humanidade.
Mulheres sentem que devem postergar a gravidez ou não ter filhos se quiserem ter uma carreira de sucesso, ou em alguns casos, até mesmo um simples trabalho. Mas e se de repente todas as mulheres decidissem não ter mais filhos para apenas trabalhar? Seria o fim da humanidade, das empresas, de tudo. Por isso que garantir que todas as pessoas que desejam ser responsáveis por novas vidas tenham a estrutura para isso é sim algo com que o mercado deveria se preocupar.
Outro ponto dessa vida na pós-modernidade é o que diz respeito a nossa saúde emocional. Porque mesmo quando conquistamos postos altos, com salários adequados, muitas vezes não estamos felizes ao chegar lá. De que adianta uma conquista que não nos traz felicidade?
Por isso que nós, mulheres, ao falar que queremos tudo, não devemos nos desdobrar para tentar nos encaixar em um formato de mundo, que já foi chamado de masculino, que não faz mais sentido hoje. Está na hora do mundo se adaptar e ser melhor para todas e todos.
Indo um pouco mais além na reflexão, há ainda o peso invisível do que se entende por carreira de sucesso.
É necessário desconstruir a ideia de que o sucesso só pode ser medido na esfera profissional. Nem todas nós vamos ser chefes. Ou influencers com 1 milhão de seguidores. E não somos obrigadas a querer isso.
Podemos ter um trabalho que consideramos adequado às nossas necessidades e buscar nossa felicidade em hobbies, na convivência com amigos, em uma atividade voluntária.
Sua realização pode estar em outros campos, que não é o da carreira. E tudo bem ser assim.
Precisamos sentir que somos completas, que não precisamos provar nada a ninguém, nem atender expectativas que não são as nossas. Se dedique ao que te faz bem.